Será que a Administração Pública Brasileira enlouqueceu ?! Análise de uma notícia
Será que a Administração
Pública Brasileira enlouqueceu ?! Análise de uma notícia
“A
cidade brasileira de Ladário, no estado de Mato Grosso do Sul, iniciou na
segunda-feira dia 18 de maio, um período de 21 dias de jejum e oração decretado
pela prefeitura para pedir intercessão divina no combate à pandemia da
Covid-19.”
Ao redor do
mundo, a pandemia tem influenciado de diversas maneiras a atuação da administração
perante os seus respetivos cidadãos. Em alguns cantos do mundo o caos está a reinar.
Nesta fase pandémica que vivemos, muitas famílias sofrem com perdas financeiras
e perdas familiares, enquanto noutros, a normalidade está sendo alcançada e
isso deve-se a atuações administrativas que são, sobretudo, essenciais e eficazes
ao cenário pandémico.
Já, a situação Brasileira
é uma ao qual caminha longe da normalidade. O número de mortos e infetados está a aumentar
cada vez mais, sendo que atualmente há um número de 19 mil mortos e de 291 mil infetados
e a previsão é que estes números aumentem ainda mais, oque coloca a questão se o
Governo está a tomar as medidas certas para o combate a pandemia e se um
verdadeiro interesse público está a ser seguido pela Administração. A Administração
do Governo do atual Presidente, Jair Bolsonaro, é uma que deixa a desejar. Houve
várias demissões de ministros e atribuições de cargos a militares que gera a
impressão de que o Presidente acha que a forma de se combater o vírus é através
de armas de fogo ao invés de isolamento social e quarentena, da impressão que a
ordem final é a do Presidente, independentemente dos direitos fundamentais dos
cidadãos brasileiros. O atual Presidente e seu Governo tem tomados várias atitudes
e medidas que põe em causa a saúde e o bem estar da população, como por exemplo,
o facto de ter ordenado ao chefe interino do Ministério da Saúde que assinasse
o novo protocolo da pasta que permite a liberação do uso de um medicamente não
confirmado, a cloroquina, para todos os pacientes infectados pelo novo
coronavírus.
Embora se possa
fazer diversas críticas a Administração do “Governo Bolsonaro”, a análise da
notícia deste post é sobre a atuação respetiva de um Prefeito de um Município Brasileiro,
que pelo resumo que deixei acima, demonstra que este atuou numa forma que deixa
muito a desejar e coloca-se questões sobre a eficácia das atuações
administrativas no combate a pandemia da atual administração pública brasileira
e do seu próprio direito administrativo em si. Farei esta análise com o foco no
Direito Português de forma a ver as consequências que isto traria no Direito Português
e não no Direito Brasileiro.
No Brasil,
uma prefeitura é a sede do poder
executivo do município, semelhante à câmara municipal,
em Portugal, e para relembrar, um município é uma pessoa colectiva que,
como é óbvio, tem os seus órgãos e cabe a eles tomarem decisões, que manifestam
a vontade própria da pessoa colectiva em causa. Diz-se que o órgão de uma
pessoa colectiva de população e território é representativo quando esse órgão,
tendo sido livremente eleito pela população residente, emana democraticamente
desta e traduz os seus pontos de vista, defende os seus interesses, atua em
nome e por conta dessa população.
A Câmara
Municipal em Portugal, é o órgão colegial de tipo executivo a quem está
atribuída a gestão permanente dos assuntos municipais, no direito português tal
expressão designa todo o órgão colegial encarregado da gestão permanente dos
assuntos de uma autarquia local. A câmara municipal trata-se do corpo
administrativo do município oque é semelhante ao que se passa no Brasil,
nomeadamente no órgão da Prefeitura, em que o Prefeito eleito, tem competências
semelhantes ao Presidente da Câmara Municipal.
Em causa, o ato
com que nos deparamos por parte do Prefeito, trata-se de um decreto. O
prefeito, autoridade máxima na estrutura administrativa do Poder Executivo do
município, tem o dever de cumprir atribuições a ele conferidas pela lei
Brasileira.
Relativamente às
questões procedimentais nos termos do direito português, em primeiro lugar, deve
haver menção da fonte da competência pois, caso contrário, estaríamos perante
uma invalidade procedimental.
A atuação em
questão foi através de um decreto. Na ordem jurídica portuguesa, faria mais
sentido um regulamento, que vem regulado nos arts. 135º e seguintes do CPA, pois
se trata de um ato normativo que em questão seria geral e abstrato.
Assumindo que os requisitos de legalidade como a competência
e a forma do ato estão cumpridas, já que o post não se trata de uma análise
profunda das questões procedimentais do direito brasileiro.
Far-se-á uma
análise da validade material deste decreto. O Prefeito está a exercer o seu
poder no quadro da administração, no entanto, este devia lembrar-se que há aspetos
discricionários e vinculados que devem ser seguidos, e isto significa que, pelo
menos, no ordenamento jurídico português, no quadro das normas e dos princípios
que este estabelece, com base nestes é que se vai determinar o modo correto do
exercício do poder discricionário. Há ainda, sempre aspetos vinculados em todos
os poderes e simultaneamente há sempre escolhas quer quanto à interpretação,
aplicação ou decisão, e, portanto, estamos numa situação em que há sempre
elementos vinculados. De consequência a administração não está sozinha, deve
ser ter em conta os princípios gerais da atividade administrativa que
estabelecem parâmetro de decisões e parâmetros de controle.
Compete aos
órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito
pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Essa é uma realidade
de ambas as ordens jurídicas e este princípio vem também definido no artigo
266º nº1 da Constituição da República Portuguesa. No artigo 4º do CPA está
previsto o princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos
direitos e interesses dos cidadãos. Um decreto com um jejum a pedir por
intervenção divina não aponta para a prossecução de um interesse público e sim a
prossecução de um interesse privado, de uma específica religião. Medidas de interesse público não apresentam
este “aspeto divino” e sim atos materiais e concretos e no atual quadro
pandémico, medidas de segurança e proteção dos cidadãos são exemplos de medidas
administrativas que devem ser seguidas, diferente de um jejum. Pode ainda haver uma violação ou
inconstitucionalidade neste decreto, pois, acredito que a laicidade é uma
realidade de ambas as ordens jurídicas. Na CRP, temos vários exemplos que o
legislador constituinte deixou para evidenciar esta laicidade, como o Art. 13º
nº 2, que diz que ninguém pode ser beneficiado pela sua religião, Art. 41º nº 1,
que se refere ao principio da liberdade religiosa, Art 41º nº 4, que refere que
as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do estado.
Qualquer poder
ou norma legal corresponde a um fim, e o poder tem de ser exercido nos termos
do fim para o qual foi consagrado. Pode estar em causa nesta atuação do Prefeito,
uma preterição de um fim legal. O órgão da prefeitura, provavelmente tem competência
para emitir decretos sobre a saúde de modo a proteger o bem estar da população.
Ao que parece, esta competência está a ser utilizada para apoiar uma instituição religiosa que
nada tem haver com a atribuição desta competência, ou seja, este poder está a
ser exercido fora do respetivo fim, logo está a violar a vinculação do fim.
Mais grave ainda, como vimos em aulas, pode se tratar de uma preterição de um
fim privado, pois está se utilizar este poder para prosseguir um fim de
interesse privado, diferente de um fim público que traria medidas concretas ao combate
a infeção viral. A prossecução de um fim de interesse privado determina a
nulidade da decisão administrativa, nos termos do artigo 161º nº2 alínea E) do
CPA.
Quando o CPA no
artigo 7º estabelece o princípio da proporcionalidade, significa que as
decisões da administração, têm de ser necessárias,
adequadas e não excessivas. Analisando o decreto e o conteúdo do mesmo, percebe-se
claramente a sua ilegalidade. Um jejum decretado para o combate do vírus viola
o princípio da proporcionalidade, pois, o conteúdo deste ato, a intervenção
divina, não tem resultado no plano dos factos no caos da pandemia. Diferente de
medidas de isolamento social, uso de máscara e o reforço a higiene e saneamento básico, não
há uma necessidade em decretar um jejum aos cidadãos para o combate, se trata
de uma medida totalmente desnecessária, desadequada e ineficaz. O princípio da
proporcionalidade oferece-nos os parâmetros da decisão, e, portanto, ao
oferecer estes parâmetros estes devem ser seguidos e não ignorados totalmente
pelo Prefeito.
Pode estar em
causa também uma violação do dever de fundamentação. Isto é, o dever que a
Administração Pública tem de explicitar os motivos de facto e de direito que a
conduziram a prática de um ato e o conteúdo desse mesmo ato. Pode até se considerar
que os motivos de facto estão neste decreto, mas duvido muito que haja alguma
menção dos motivos de direito, pois, se um Estado é Laico, há grandes dúvidas que
se possa encontrar na legislação e nas competências e atribuições do município,
normas relacionadas com jejum obrigatório ou ainda mais, um privilégio da religião
evangélica sobre as demais.
Assim, revela-se
diversas ilegalidades neste decreto emanado pelo prefeito. Este ato em concreto,
coloca muitas questões sobre a eficácia do poder público e do sistema de
controlo administrativo brasileiro. A falta de um tribunal administrativo (em
sentido estrito pelo menos) pode demonstrar frutos de um trauma da própria
infância do direito administrativo brasileiro, atualmente, gerando a impressão (a
mim pelo menos) de uma confusão entre o Tribunal Judiciário com o Administrativo.
Isto demonstra também, que o vírus da pandemia não está só a atingir e
contaminar os cidadãos em si, pois a própria administração pública Brasileira parece estar a ser contaminada e a
precisar urgentemente de um ventilador para que não acabe por perder a sua “vida”.
Estes tempos traumáticos urgem uma eficácia dos governantes e não medidas
ineficazes e totalmente desadequadas. Espero que neste quadro pandémico, o
sistema administrativo público brasileiro possa “sobreviver” e criar “imunidades”
contra este “vírus” que se alastra por ele e na cabeça do próprio chefe do
poder executivo do país.
Vitor Davi de
Oliveira - 140118083
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