O poder discricionário da Administração Pública

A Administração Pública encontra-se subordinada à lei, de acordo com o princípio da legalidade (artigo 3º do CPA), o que significa que a Administração não pode prosseguir o interesse público de forma arbitrária (tem de obdecer a normas legais).
A vinculação e a discricionariedade são dois conceitos ligados ao entendimento do princípio da legalidade, sendo, portanto, duas formas típicas pelas quais a lei modela a atividade da Administração Pública.

Mas antes de entrar em mais pormerores, cabe fazer uma breve referência à noção de discricionariedade. 
A discricionariedade é uma margem de autonomia criada pelo legislador para que a Administração Pública exerça a sua atividade através da realização de ponderações próprias. Para que a discricionaridade exista, é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o campo da escolha seja apenas duas decisões opostas, quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva.

O professor SÉRVULO CORREIA conceitua, contudo, que a discricionariedade, no quadro da decisão da Aministração pública se caratetiza por uma poderação dos interesses confrontados (elegendo-se, posteriormente, pela satisfação de um deles). Considera, ainda, que as decisões tomadas com base na discricionariedade devem ter por base um juízo de previsão, probabilidade e estimativa.

Far-se-á pois, agora, uma pequena distinção entre duas figuras supra mencionadas: a vinculação e a discricionariedade. Para a definição destes conceitos têm sido adotados pela doutrina duas perspetivas diversas:
  • A perspetiva dos poderes da Administração (teoria da organização)
    • De acordo com esta perspetiva, FREITAS DO AMARAL afirma que o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respetivo titular a escolha da solução concreta mais adequada. 
    • O mesmo afirma que o poder será discricionário quando seu exercício fica entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse públcio protegido pela norma que o confere.
  • A perspetiva dos atos da Administração (teoria da atividade)
    • Os atos são vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados; e são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.

Contudo, há que ter em conta, como assinala FREITAS DO AMARAL, que não existem atos totalmente vinculados, nem atos totalmente discricionários - os atos administrativos são sempre o resultado de uma mistura variada entre o exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários. Em bom rigor, de acordo com o mencionado professor, até se deveriam utilizar expressões como "atos predominantemente" vinculados/discricionários.

Como já foi menciodo, a lei atribui à Administração o poder de escolha entre várias alternativas. Todavia, será essa escolha livre?

Neste sentido persistem várias opiniões na doutrina:

AFONSO QUEIRÓ considera que sim. O mesmo afirma que o poder discricionário "consiste (...) numa outorga de liberdade, feita pelo legislador à Administração, numa intencional concessão do poder de escolha, ante  a qual se legitimam, como igualmente legais todas as decisões que couberem dentro da série, mais ou menos ampla, daquelas entre as quais a liberdade de ação administrativa foi pelo legislador confinada". 
No seguinto desta linha de pensamento, MARCELLO CAETANO (que seguia uma visão tradicional) veio considerar o poder discricionário como exceção ao princípio da legalidade. Portanto, com estes dois autores, surge a ideia de liberdade associada à discricionariedade.

FREITAS DO AMARAL, numa posição divergente, julga que a escolha a tomar pela Administração não deverá apenas estar condicionada pela competência da mesma ou pelo fim legal - a escolha é, sobretudo, condicionada e, de certa forma, orientada pelos princípios e pelas regras geais que vinculam a Administração Pública (princípios esses o da proporcionalidade, igualdade e imparcialidade).

VIEIRA DE ANDRADE, na esteria de ROGÉRIO SOARES, contudo, defende que a discricionariedade não constitui uma liberdade, mas antes uma competência (uma função jurídica). A título de resumo, este autor defende que, no quadro da discricionariedade, a lei não atribui ao órgão administrativo competente a liberdade para escolher qualquer solução que satisfaça o interesse público de acordo com os princípios jurídicos que condiciam ou orientam a sua atuação. Logo, a discricionariedade não é uma liberdade, mas um poder-dever jurídico.

Analisando o exposto, considero ser a visão mais acertada a do professor Freitas do Amaral. 
Em jeito de conclusão, a Administração frui de uma margem de decisão. Todavia, e tendo em conta o exposto supra, considera-se que a mesma não é necessariamente livre, sendo (da perspetiva de FREITAS DO AMARAL) condicionada e orientada pelos princípios e regras gerais que a vinculam, nos termos do CPA. 


Inês Freitas - 140118185

Utilização da sigla CPA como referente ao Código de Procedimento Administrativo.

Bibliografia: 
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, volume II, 3º edição, 2016


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